
Pamonha jurisdicional
Publicação em 12.04.22Charge de GERSON KAUER

Após dez anos de profissão advocatícia em comarca de entrância intermediária, o advogado estava aborrecido com a deficiente prestação jurisdicional. Constatara que, muitíssimas vezes, seus argumentos não eram sequer lidos, nem examinados, por neófitos estagiários, promissores assessores e estáveis magistrados.
O profissional da advocacia então protocolava volumosas petições de embargos de declaração. Estes, habitualmente desacolhidos, às vezes resultavam em multas por litigância de má-fé.
Numa pontual ação de revisão contratual, a superficial sentença foi de improcedência. Os autos eram físicos. Na comarca a digitalização ainda não havia sido concluída.
Na petição de apelação, o advogado embutiu, no topo de uma das laudas, um recado sutil, em três frases: “Há tempos a advocacia vem sendo desrespeitada por magistrados que não se dão ao trabalho de analisar os pleitos apresentados. Muitas vezes, nossas petições não são lidas. Já que somos tratados como pamonhas, é pertinente informar que gostosas receitas desta famosa iguaria oriunda do milho estão disponíveis na internet”. (E indicou alguns links pertinentes.)
O recurso de apelação foi improvido. O relator, o revisor e o vogal ignoraram a crítica, não dedicando uma linha sequer ao enfrentamento da ironia embutida.
A ementa do acórdão foi trivial: “Argumentos recursais que não infirmam os ajustes contratuais. Improvimento do recurso, pelos próprios judiciosos fundamentos proferidos pelo juiz de primeiro grau. Apelação improvida.”
Segundo livros sobre a arte de cozinhar, “descendendo da culinária indígena, a pamonha é um quitute brasileiro, comum nos estados do Nordeste e em Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rondônia, São Paulo e Tocantins”.
O professor Paulo Flávio Ledur diria que, em sentido figurado, pamonha é o indivíduo mole, preguiçoso, estirado, à semelhança do empapado que resulta do milho amassado com leite de coco, manteiga e erva-doce.
Já transitou em julgado.