
A reprovação do estagiário
Publicação em 10.12.21Charge de Gerson Kauer

O desembargador recrutava mais um estagiário para reforçar seu gabinete jurisdicional. Buscava um jovem, aí pelos seus 22 / 23 anos, com bons conhecimentos de Direito, fluência redacional sem erros, prática anterior em escritório de advocacia, capacidade decisória, e aquelas coisas todas que, de uns anos para cá, constituem os mandamentos do ´manual da estagiariocracia´.
Apresentaram-se vários interessados, mas especialmente um chamou a atenção pelo seu vestir correto e discreto – calça esporte alinhada e camisa de seda indiana, calçados bem engraxados - e também pela fala fluente, sem gírias. Chamava-se Philippe.
Já na fase final dos testes, o desembargador resolveu aferir a rapidez da inteligência do candidato. Mostrou um desenho, dando-lhe 30 segundos para que respondesse em que vaga numerada estava estacionado o carro (de placas discretas) do presidente da Corte.
- Trata-se de um procedimento de admissão para o curso seguinte ao 5º ano escolar primário nas melhores escolas inglesas – explicou o magistrado.
O estagiário olhou, fuçou, ficou indeciso e solicitou mais tempo:
- Peço sua compreensão em conceder-me mais alguns segundos. Desde já Vossa Excelência pode ter a certeza de que, quando eu estiver em dúvidas, não farei nenhum projeto de sentença às pressas.
O desembargador prorrogou o tempo algumas vezes, o estagiário Philippe deu diversos palpites, mas não acertou. Professoral, então, o magistrado encerrou:
- Observe a sequência. Ao chegar na vaga ocupada, olhe a frente do carro. Siga em ordem decrescente: 91, 90, 89, 88, 87 e 86. Elementar constatar que o carro está na vaga nº 87.
O estagiário Philippe voltou a mirar a figura e antes que desse algum palpite furado, o desembargador proferiu a sentença reprobatória:
- Você não percebeu que, para quem vê na figura, os números estão de cabeça para baixo...Assim, está reprovado.
