
A apelação cível na jurisprudência do STJ (Parte 1)
Publicação em 04.10.21Google Imagens

A apelação é provavelmente o recurso mais importante na vida das partes e dos advogados. Através dela, o duplo grau de jurisdição se realiza, com a ampla reanálise fática e jurídica da causa pelos tribunais. Existem muitas questões interessantes a respeito do procedimento do apelo. Recordo que, quando publiquei a última edição do “Manual dos Recursos Cíveis” (Livraria do Advogado, 2020) localizei mais de 10 alterações introduzidas pelo CPC/2015.
Em razão do espaço, destacarei neste artigo três delas:
a) a ampliação do efeito devolutivo;
b) a antecipação de tutela recursal (efeito suspensivo ou ativo);
c) a ampliação do colegiado, diante de seu julgamento não unânime (2x1).
No Brasil, tradicionalmente, cabe apelação contra as sentenças. Contudo, dentre as inovações do CPC/2015 reside a “ampliação do efeito devolutivo da apelação”, pois “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões” (art. 1.009, §1º CPC).
Ou seja, também o conteúdo das decisões interlocutórias é enfrentado pela apelação. Para facilitar a compreensão da insurgência, me parece correta a técnica de levantar uma preliminar para cada uma das decisões interlocutórias que o apelante deseja reformar.
A segunda alteração de amplo interesse prático reside na “antecipação de tutela recursal”, através de efeito suspensivo e de ativo. De regra, o apelante a postula, seja para evitar ou para viabilizar a execução provisória da sentença. O regramento do CPC/2015 não é idêntico ao de 1973 no ponto. De um lado o caput do art. 1.012 afirma que “a apelação terá efeito suspensivo”, porém o §1º indica situações em que é admitido o cumprimento imediato.
A novidade é que o diploma admitiu que as regras previstas no art. 1.012, §1º, sejam invertidas, em determinados casos, à luz da demonstração de risco de dano grave e de difícil reparação. Desta forma, a título excepcional, o Poder Judiciário está autorizado a emprestar efeito suspensivo ou a retirá-lo, ainda que em sentido oposto ao prescrito pelo art. 1.012.
Dois serão os requisitos básicos para a concessão da medida:
(a) análise da probabilidade de êxito recursal (verossimilhança) e, principalmente,
(b) risco de dano grave e de difícil reparação derivado da sentença. A preocupação, em casos tais, será garantir o acesso à justiça.
O CPC/2015 regulou a competência para a análise desses pedidos (art. 1012, §3 e §4), estipulando que cabe ao tribunal. Ou seja, a parte pode protocolar o apelo na comarca e ato contínuo acionar o tribunal, que designará o relator para o seu exame, tornando-se prevento para julgá-la.
Houve uma simplificação procedimental, bem referida no seguinte voto da ministra Nancy Andrighi: “Não mais subsiste a jurisprudência da corte que, à luz do sistema recursal do CPC/73 em sua versão originária, admitia a interposição de recurso em concomitância com a impetração do mandado de segurança, sendo este com o propósito específico de atribuir efeito suspensivo àquele, uma vez que todos os recursos previstos na legislação processual em vigor contemplam a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo, por requerimento realizado no próprio processo e por obra do juiz”. (RMS 60.641/MG, 3. T., DJE: 07.11.2019)
A terceira peculiaridade que destaco é a previsão do art. 942, segundo a qual “quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”.
Esta técnica, como bem pondera o ministro Ricardo Cueva, “tem como objetivo maximizar e aprofundar as discussões jurídicas ou fáticas a respeito da divergência então instaurada, possibilitando, para tanto, inclusive, nova sustentação oral e a retratação dos votos já proferidos”. (REsp 1890473/MS, 3. T., DJe 20/08/2021)
Quanto à interpretação do art. 942, o STJ já teve oportunidade de resolver uma série de dúvidas. Uma das primeiras residia na definição de sua natureza: “O art. 942 do CPC/2015 não estabelece nova espécie de recurso, mas, sim, técnica de julgamento a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a análise da questão, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência”. (AgInt no REsp 1926974/RJ, 2. T., Rel. Min. Herman Benjamin. DJe 01/07/2021).
Portanto, na medida em que o julgamento não é concluído, "a incidência da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/15 não limita os julgadores convocados à análise apenas a matéria decidida de forma não unânime pelo quórum original, deve, pois, ser apreciado todo o conteúdo da apelação". (REsp 1934178/DF, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 16/09/2021)
Como referido, o tema da apelação é muito amplo. Destaquei neste artigo três peculiaridades que interessam aos advogados. Retornarei ao assunto nas próximas semanas, enfatizando outras questões polêmicas.