Osvaldo Peruffo, o mestre do Direito, o cidadão respeitoso, o homem inflexível com a corrupção
Publicação em 11.12.20Foto: Album de Família

Por Sérgio Souza Araújo, cidadão brasileiro aposentado, ex-escrivão da 7ª Vara Cível de Porto Alegre.
Sergiosouzaraujo@gmail.com
Aos 89 anos de idade, faleceu na última terça-feira (8) - data em que se comemora o Dia da Justiça - o advogado e desembargador aposentado Dr. Osvaldo Peruffo. É uma grande perda para todos, familiares, amigos, ex-colegas e lidadores do Direito que tiveram a honra de usufruir da companhia de tão especial ser humano, seja no centro familiar, seja pelo lado estritamente profissional. E afirmo, o sentimento de desolação é imenso porque, unânime. De outra banda, estou pasmado considerando que - quando escrevo estas linhas - às 14h15min do dia 10/12, não li nenhuma simples frase que seja, na internet, do Tribunal de Justiça acerca do óbito de um desembargador aposentado que relevantes serviços prestou à Justiça gaúcha. Que triste descaso!
Cumpre consignar que em 2 de junho deste ano, tive a grata satisfação de ver, aqui no Espaço Vital, publicado artigo que escrevi sobre o Dr. Peruffo - sob o título “O magistrado gaúcho que cumpria a verdadeira liturgia do cargo”. Na oportunidade, teci considerações acerca da atuação do então Juiz de Direito na 7ª Vara Cível de Porto Alegre, cuja titularidade cartorária esteve sob minha responsabilidade.
A carreira do Dr. Peruffo na magistratura do RS foi repleta de êxito, desde a 1ª entrância na pequena comarca de Tenente Portela. Passou por outras comarcas, sempre demonstrando competência, trabalho, organização e comprometimento. Por mérito próprio, galgou todos os degraus culminando com a promoção ao cargo máximo do Poder Judiciário. E na Corte Estadual não decepcionou; pelo contrário, exerceu a jurisdição com extrema fidalguia. E como desembargador do Tribunal de Justiça veio a jubilar-se.
Encerrou-se um ciclo mas em seguida outro teve início. Inscreveu-se na OAB-RS, sob nº 2.920, passando a exercer a advocacia. E tal como dantes, atuou com muito esmero honrando os mandatos que lhe foram outorgados.
Pois bem, é sobre o outro lado do balcão que vou aqui tratar. E, por entender importantes gostaria de expressar algumas passagens que tive o prazer de presenciar no âmbito do cartório com envolvimento direto do Dr. Peruffo.
Em virtude de seu notório saber jurídico, sua impecável ética, seu agir com prudência e firmeza, sua inflexibilidade com a corrupção, era o Dr. Peruffo muito solicitado para patrocinar demandas, seja atuando como procurador da parte autora, seja advogando para o réu. E na 7ª Vara Cível, o número de processos de seu interesse era considerável.
Pessoalmente, ele comparecia em cartório para acompanhar os feitos. Ficava no balcão esperando o momento de ser atendido e nunca exigiu nenhum privilégio. E quando eu lhe dizia “Doutor Peruffo, passe aqui”, então me respondia: “Obrigado, Araújo, mas prefiro esperar a minha vez”.
Ele trazia sempre a informação atualizada do processo que pretendia examinar e quando lhe eram franqueados os autos agradecia e solicitava permissão para utilizar a "mesa grande" destinada aos advogados. Lá, examinava as peças, os documentos, fazia anotações, solicitava a extração de cópias, etc. Ao final, ao devolver o processo em mãos de quem lhe entregara, seguia-se um polido "muito obrigado".
Quando comparecia às audiências, o Doutor Peruffo fazia questão de aguardar o pregão sentado nos desconfortáveis bancos disponibilizados no saguão do andar. Eu o avistava e o convidava para aguardar nos recintos do cartório e ele educadamente agradecia, mas de imediato declinava.
Cumpre consignar, que meus chamamentos para que ele passasse para o interior do cartório nunca tiveram o condão de burlar qualquer regra, mas simplesmente ser recíproco com quem tinha por hábito a polidez.
Em virtude da excelência de seus trabalhos, a fama do Dr. Peruffo propagou-se. Cotidianamente compareciam advogados - muitos ainda incipientes - para solicitar cópias das petições de processos em que ele atuava, seja de iniciais, contestações, réplicas, etc. Eu lhes indagava o motivo do interesse naqueles feitos, e eles respondiam-me sem qualquer embaraço que era para fazer igual em processos que pretendiam atuar. Como os processos eram públicos, não havia como negar-lhes o acesso.
Ainda, lembro-me, que na época que o Dr. Peruffo exercia a jurisdição na 7ª Vara Cível. Ali também havia forte afluxo em cartório de jovens candidatos a certame público para o cargo de juiz de direito, com o intuito de obterem cópias de sentenças prolatadas por ele, com o objetivo único de estudá-las para os concursos. Hoje, indago-me: quantos daqueles jovens não lograram aprovação em concurso com a ajuda do mestre Peruffo e hoje estão em plena jurisdição por este Rio Grande afora?
Algo que nunca testemunhei por parte do Dr. Peruffo, foi tentar tirar proveito da sua condição de ex-magistrado para levar alguma vantagem. Jamais utilizou-se - popularmente falando em "carteiraço" - de oportunidade para conseguir algo fora dos parâmetros legais, ou, ainda, humilhar alguém para seu próprio deleite.
Efetivamente, o respeito, a consideração e a simplicidade são qualidades intrínsecas da pessoa de bom caráter. O Dr. Peruffo, realmente, calçava as sandálias da humildade. Que descanse em paz esse probo homem!
Leia na base de dados do Espaço Vital: O magistrado gaúcho que cumpria a verdadeira liturgia do cargo