
O cruel Centauro da comarca
Publicação em 28.04.20Imagem Mitos e Lendas

A convivência entre os juízes importa na troca de relatos das peculiaridades vividas em localidades antes desconhecidas. Quando um magistrado é designado para uma unidade judiciária, ele não sabe o que vai encontrar pela frente.
O relato em questão partiu de um magistrado jovem, vaidoso, discreto e “boa-pinta”. Toda a vez que estava à mesa de audiências, provocava um alvoroço nas jovens advogadas da localidade. Um verdadeiro entra e sai de sorrisos largos na sala.
A conjuntura afetiva lhe era amplamente favorável.
Em um final de tarde, quando foi até um dos bares descolados da cidade, frequentado por jovens profissionais de todas as áreas, o magistrado foi apresentado a uma moça, cirurgiã-dentista, dona de uma importante clínica. Bonita, bem vestida, mas principalmente bem articulada. Uma mulher com vasta cultura geral, que realizou inúmeras viagens pelo mundo.
O jovem juiz já havia adotado o costume de algumas blindagens, sempre no intuito de afastar eventuais aproximações pragmáticas, para não dizer interesseiras.
Nunca revelava as suas verdadeiras funções. Perguntado sobre a sua atividade profissional, apresentava-se como bacharel em Direito, servidor do Judiciário.
A dentista dava seguras demonstrações do seu interesse por ele. Aproximou-se do magistrado à mesa, fixava nele os seus olhos claros, aproveitava para tocar na sua mão à medida em que o entusiasmo contagiava ambos.
Conversa vai, conversa vem, um pouco mais de vinho, noite que avança e frio que se impõe na região.
O carro para à frente de uma bonita casa, em um bairro nobre da cidade. Acolhido e deferido o “último drink”, o nosso julgador confronta-se com uma bela visão: um jardim de grandes proporções, bem cuidado, com uma esplêndida área de churrasqueira, mesas externas, cadeiras de sol e uma imponente piscina.
Em um esforço de desconsideração do frio reinante, aguardando a dona da casa que providencialmente havia ingressado em seu aposento, ele dava fluência à imaginação, coisas coloridas, festivas, alegres e animadas.
Depois dessa noite, tudo entre eles estava a pleno vapor, embora os pombinhos pouco revelassem, entre si, acerca das suas respectivas vidas. Era como se a vida tivesse iniciado ali e o passado não importasse. Paralelamente ao aumento da intensidade das juras amorosas, aproximava-se o último dia de permanência do magistrado na jurisdição.
A promessa assumida era a de não abrirem mão dos finais-de-semana juntos. No último dia de pauta, uma quinta-feira, há na sala de audiências um monitor de tevê, um vídeo cassete e caixas de som.
O magistrado pergunta à serventuária e ela responde:
- Doutor, isso tudo é para assistir uma prova gravada em VHF, que faz parte de um processo e que foi impugnada pela parte contrária. Em resumo trata-se da audiência que colherá os depoimentos sobre as cenas e se há qualquer indício de adulteração.
Antes de determinar o pregão, o magistrado indaga a servidora acerca do processo:
- Doutor, uma conhecida dentista aqui da cidade, com seus 38 anos, manteve durante uns três anos uma relação amorosa com um rapazinho de 24 anos. Após o término da relação ele ingressou com uma ação trabalhista postulando o reconhecimento da condição de empregado. Ela oferece, a defesa afirmando a relação amorosa, junta documentos, aponta testemunhas e mais o vídeo.
Em sequência todos ingressam na sala. A dentista transtornada com a surpresa e o magistrado desconcertado. Posto a rodar o vídeo, vem à tela uma cena de um dia de verão ardente, no entorno da piscina por ele anteriormente vista, tudo regado com muito álcool e coberto por pouquíssima roupa. Uma turma animada e barulhenta.
Depois de uma tomada geral, a câmera capta a imagem da dentista de quatro pés, tendo sobre si, montado, o moçoilo. Ele, sem nenhum constrangimento enrolava o cabelo dela nas mãos, como se fosse rédeas, gritava “aiô, aiô,aiô...” e sapecava palmadas que estalavam nas nádegas do que ele imaginava ser a sua montaria.
Foi evidenciada a veracidade da cena, sendo consignado em ata que nenhum dos presentes quis oferecer observações. Encerrou-se a audiência.
Bem, o processo seria enviado para o juiz que já havia colhido os depoimentos, acompanhado da transcrição das cenas. A partir daí faltava apenas a decisão: se o empregado faz, ou não, da patroa montaria?
Enquanto isso o jovem juiz perdia um pouco mais de crença no lirismo, passando a ter pesadelos com o Centauro.